segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A luta pela PUC





        No início da noite do dia 30 de novembro deste ano, em frente ao prédio da reitoria no campus Perdizes, estudantes, professores e funcionários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) vestidos de preto velaram o enterro da democracia na universidade. O protesto simbólico foi realizado contra a decisão do Grão-Chanceler da PUC-SP, Cardeal Odilo Pedro Scherer, de não reconhecer a sentença do Conselho Universitário (Consun), no dia 28 do mesmo mês, de suspender a lista tríplice enviada a Fundação São Paulo (Fundasp) antes das eleições deste ano.
A universidade, nesse período, estava em greve geral, iniciada no dia 13 de novembro de 2012, devido à escolha do Grão-Chanceler de nomear a professora do programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, Anna Cintra, para assumir a reitoria nos próximos quatro anos. Cintra perdeu a eleição que ocorreu entre os dias 27 e 31 de agosto - a qual conta com a com a participação de alunos, professores e funcionários. A decisão de dom Odilo Scherer mobilizou a comunidade por ter ferido a tradição democrática da PUC-SP, na qual, apesar da existência da lista tríplice e da liberdade do cardeal em nomear quem quiser dessa lista, há pelo menos 30 anos o vencedor das eleições era o escolhido para a reitoria. Nesta eleição, o primeiro lugar ficou com o ex-reitor, Dirceu de Mello.
Outra motivação da greve, que também é extremamente importante, é a falta de ética da professora. Antes da eleição os três candidatos assinaram um compromisso, em um debate público denominado “Roda Viva”, de que não aceitariam o mandato se não fossem os mais votados. Depois de tudo isso, Anna não se pronunciou quanto a esse acontecimento por um bom tempo. O pronunciamento só chegou à comunidade universitária por meio de uma entrevista que ela concedeu à Folha de S. Paulo, na qual afirmava que durante o evento se sentiu constrangida e apenas por isso assinou o documento.
A questão do distanciamento da reitora nomeada pela Fundasp com toda a comunidade é também muito presente. Primeiramente, ela foi convidada para uma assembleia no dia 21 de novembro no TUCA. Porém, não compareceu. O Consun, inclusive, a convidou para aparecer em suas duas reuniões realizadas no dia 28. Mas, ela não o fez. Foi representada apenas por um advogado e por uma simples carta. Além disso, os participantes de sua chapa defenderam-na. Entretanto, nada disso supriu a antiética e a falta de moral de Anna Cintra e de seu silêncio. A comunicação dela e da Fundação com os estudantes, professores e funcionários tem se restringido à e-mails, sejam eles ameaçadores ou “conciliatórios”.
Na grande mídia, por sua vez, a voz tanto de Anna Cintra quanto de dom Odilo está mais frequente. O cardeal escreveu até um artigo para o Estado de S. Paulo, no dia 8 de dezembro, no qual dizia: “A universidade católica é, por excelência, um espaço de diálogo cultural, onde ela tem muito a oferecer, ex corde Ecclesiae, a partir do âmago de sua identidade, de sua mensagem e da experiência secular da Igreja”. Com isso, percebe-se a sua intenção de reafirmar e reforçar a ideologia católica na instituição e no seu ensino. Afirma que a PUC-SP “deve realizar as suas atividades de maneira coerente com os ideais, princípios e comportamentos católicos - nem se poderia esperar que fosse diversamente, ou até o contrário disso”. Assim, evidencia sua vontade em silenciar quaisquer movimentos contrários a Igreja ou ao seu posicionamento no mundo. Esse intuito já estava muito claro quando escreveu outro texto para a Folha, um dia antes. Nesse, afirmou não buscar “simplesmente que ela (PUC) esteja alinhada com os valores cristãos, mas que dê sua contribuição específica, como instituição católica, à sociedade paulista e brasileira”. Para ele, essa “contribuição” é relevante ao “convívio democrático”.
Entretanto, uma universidade deve ser um ambiente plural por si só - independentemente de quem está na reitoria e de quem é sua mantenedora. Vladimir Safatle,  professor de filosofia da FFLCH que escreve semanalmente para a Folha de São Paulo, publicou a matéria “Universidade Católica?” na qual defendeu a diversidade universitária com “unhas e dentes”. Iniciou seu artigo da seguinte forma: “A crise na PUC-SP devido à nomeação da terceira colocada em uma lista tríplice evidenciou uma questão mais grave, que não diz respeito apenas ao mecanismo viciado de escolha de reitor. Artigo publicado na Folha por dom Odilo Pedro Scherer demonstra profunda distorção no sentido do que é uma universidade”. Explicou: “Uma universidade não existe para divulgar, de maneira exclusiva, valores de qualquer religião que seja. Ela admite que tais valores estejam presentes em seu espaço, mas admite também que nesse mesmo espaço encontremos outros valores, pois só esse livre pensar é formador do conhecimento”. Para isso, usou como exemplo Voltaire e o anticlericalismo presente em seu pensamento - como ele seria ensinado em uma universidade que é regida pelo cristianismo? Acrescentou ainda que “A universidade, mesmo particular, é uma autorização do poder público que exige, para tanto, a garantia de que valores fundamentais para a formação livre serão respeitados”. Desse modo, registrou sua insatisfação com a intolerância do cardeal.
A maneira como dom Odilo vem ignorando as decisões da comunidade e até mesmo do Consun a fim de manter a “ordem” na PUC nos leva a pensar: será dom Odilo uma personificação do Leavitã na instituição? Leviatã é o soberano da obra de Thomas Hobbes que, por meio de um Contrato Social hipotético, garante a segurança e especialmente a vida de seus súditos, em troca da liberdade deles. Nessa comparação, é importante considerar que esse “contrato” seria o estatuto.
 O soberano, no caso, se deparou com a “multidão”, termo utilizado pelo autor Michael Hardt para evidenciar a força que um povo reunido, reivindicando o autoritarismo do poder uno (ou do “império”, segundo o autor Antonio Negri, que, por sua vez, juntamente com Hardt tem um livro que leva este nome), , tem para a resistência e para a constituição de um poder democrático. Para o funcionamento da multidão, a democracia é aberta a sociedade, onde todos tem o direito de se manifestar, apresentar e contestar suas ideias e opiniões. Dessa maneira, todos trabalham juntos na resolução de seus problemas.
A multidão, então, é a maneira mais eficaz de resistência do poder imposto, seja ele por parte do Estado, seja por parte da Igreja, rompendo com o controle autoritário e retomando a sua autonomia. Essa teoria se encaixa perfeitamente no contexto atual da PUC-SP. A greve (que foi suspensa durante o período de férias) demonstra a força da comunidade puquiana e a sua luta pela democracia - a qual, como indicou Safatle, deve estar presente em qualquer que seja a universidade. Portanto, no momento, grande parte da comunidade representa sim a multidão de Hardt. Assim como a Fundasp e seus participantes e aliados (entende-se aqui a reitora nomeada como uma aliada, haja vista seu silêncio frente à comunidade) representam o império.
Um dos veículos mais utilizados atualmente para a multidão expandir suas ideias é a internet e as redes sociais. Por meio deles são organizados diversos eventos e manifestações, disseminando informações e opiniões que transpõe as redes e tornam-se movimentos em lugares físicos, resultando na participação ativa da população, transformando os indivíduos mansos e pacíficos, em indivíduos participativos. Isso aconteceu em eventos como, por exemplo: a Primavera Árabe, os movimentos Occupy Wall Street em Nova York e Ocupa Sampa em São Paulo, o movimento dos indignados na Espanha e a Primavera Mexicana.
Quando um homem na Tunísia ateou fogo, no próprio corpo no final de 2010 ele não imaginou que aquilo encadearia em uma série de revoltas que dariam origem à Primavera Árabe. O presidente Zine el-Abdine Ben Ali fugiu e foi deposto após governar mais de 20 anos. Isso encorajou outros paises a se mobilizar contra os seus governos ditatoriais. No caso do Egito, o presidente Hosni Mubarak renunciou depois de ficar 30 anos no poder. A Líbia, que demorou mais tempo para conseguir derrubar o regime, tinha Muamar Kadafi no poder a mais de 40 anos e após uma violenta guerra civil, a população viu o governante opressor ser assassinado. O Iêmem também conseguiu que o ditador Ali Abdullah Saleh renunciasse.
Em Setembro de 2011, o mundo viu pessoas ocupando uma praça no bairro financeiro de Nova York, conhecido pela rua Wall Street. O que a população queria era manifestar a extrema injustiça do mundo, assim se reunindo em prol da cooperação, que segundo o movimento é a chave para mudar o sistema. A luta pela democracia, pela não exploração dos trabalhadores, pelos direitos de cada cidadão se tornou mundial e, por isso, mais de 1500 cidades aderiram ao Occupy. Em São Paulo, o Ocupa Sampa levou os jovens à acamparem no centro da cidade.
O movimento dos indignados na Espanha, que tornou-se inspiração para o movimento Occupy explicado acima, começou em Maio de 2011 e se estendeu mais tarde para outros países da Europa, como Paris, Berlim e Lisboa. Tudo começou quando milhares de jovens acamaram na praça central de Madrid, capital do país. Da mesma forma que o Occupy Wall Street se definiu, “los indignados” não se reuniram para protestar contra o governo espanhol e sim contra todos aqueles que no poder desrespeitam a democracia.
Assim como já dito anteriormente, as redes sociais tiveram um papel importante em todos esses movimentos, assim como tiveram durante a greve da PUC. Durante a Primavera Árabe, alguns canais de televisão não exibiam os protestos em sua magnitude, pois estavam ligados ao governo, querendo, portanto, diminuir a pressão social. O meio que as pessoas encontraram para mostrar a verdadeira realidade e de reunir a população contra o regime foi a internet, através das redes sociais. Os movimentos Occupy e indignados atingiu o máximo de países que pode por conta da divulgação feita por redes como o facebook, twitter e youtube. Na PUC, o facebook foi importante para chamar os alunos para as reuniões, assembléias e aulas públicas que seriam realizadas. A agência PUC foi fundamental por transmitir online tudo que ocorria durante a greve, fascilitando que todos estivessem informados.
E é isso que está ocorrendo na PUC. Alunos, professores e funcionários estão se unindo contra o poder autoritário personificado em dom Odilo e Anna Cintra. O estatuto universitário os defende em diversos quesitos. Mas, a legitimidade não. A universidade continuará sendo, em sua totalidade, um ambiente plural. A tradição democrática puquiana não pode e não vai ser deixada para trás. A multidão não deixará.

A manipulação midiática


Para explorar a manipulação midiática é possível utilizar como base argumentativa os estudos de Thompson, Bourdieu e Sartori.  Como foi percebido no caso das eleições de 1986, a qual tinha como candidatos Collor e Lula, o controle da mídia pode influenciar até os fatores de maior importância social de um país inteiro. Nesse pleito, a Rede Globo transmitiu o debate entre os dois possíveis presidentes durante a madrugada, de um dia de semana. Com isso, a emissora dificultou o acesso para a maior parte dos telespectadores. Após essa transmissão foi feito um resumo do debate, com edições que prejudicavam Lula e vangloriavam a candidatura de Collor. Tendo em vista a grande repercussão que a Rede Globo tem na sociedade brasileira, compreende-se o resultado final com vitória exorbitante de Collor. Portanto, é de extrema importância a explicitação desse conceito para o cenário do país.
John Thompson, sociólogo inglês, propõe que manipulação é “por as mãos em algo”. Logo, a mídia não manipula pessoas, mas sim as informações que serão divulgadas à população, já que ela não pode o ser, justamente por ser capaz de tomar decisões autônomas. Os indivíduos possuem, por si só, uma habilidade que os torna capaz de agregar a mídia à sua vida pessoal, pois em seu dia a dia debatem todas as mensagens recebidas pelos veículos de comunicação.
O autor articula o processo de transmissão informativa colocando entre o emissor e o receptor uma flecha, que representa a mídia. Assim, o primeiro pode ser visto como uma ferramenta para que o poder seja eficiente sobre o último. Thompson cria uma tipologia de poderes, são eles: político, econômico, coercivo (de persuasão, força) e simbólico (midiático).     Os quatro se relacionam, porém, dependem do simbólico para se efetivar.
Mesmo com o poder do emissor, o receptor tem intencionalidade, ou seja, poder de resistência. Assim sendo, o sistema entre emissor e receptor do sociólogo, não é matemático. Além disso, esses dois membros podem se confundir, em uma conversa, por exemplo.
“Finalmente, a recepção dos produtos da mídia é fundamentalmente um processo hermenêutico. (...) a recepção de um produto da mídia (...) implica um certo grau de atenção e de atividade interpretativa da parte do receptor.”, dito em “A mídia e a modernidade – uma teoria social da mídia”, na página 44. Portanto, para o autor, a hermenêutica, capacidade de interpretação que permite a idiossincrasia, ou seja, a variedade de pontos de vista a respeito de algo, é o cerne da relação midiática.
Tendo em vista a teoria estruturalista sobre o campo do jornalístico de Pierre Bourdieu, todo espaço reservado para as notícias são insuficientes para representar fielmente a realidade. Por isso, acaba na banalização e na simplificação do fato. Para o sociólogo, o campo jornalístico é determinado e influenciado por um campo político e um campo econômico. As notícias, portanto, quando publicadas são condicionadas diretamente pela força desses eixos.
O indivíduo é condicionado pelo hábito imposto pela Indústria Cultural a ter uma percepção da realidade de forma simplificada, ocupando seu tempo com banalidades. Para ele, as notícias são recortes e interpretações passadas adiante que reduzem o real. Sua metodologia de análise televisiva avalia a reportagem perante dois fatores: o primeiro de apenas descrever o acontecimento e o segundo, além de descrever, apresenta também um comentário, uma interpretação, induzindo o telespectador a receber a notícia já condicionada por outros interesses, econômicos e políticos influenciando em sua opinião.
Bourdieu ao analisar a grande capacidade de audiência que a televisão pode atingir reflete, em “Sobre a televisão”, na página 63: “Quanto mais um órgão de imprensa ou um meio de expressão qualquer pretende atingir um publico extenso, mas ele deve perder suas asperezas, tudo o que pode dividir, excluir (...), mas ele deve aplicar-se em não ‘chocar ninguém’, como se diz, em jamais levantar problemas ou apenas problemas sem história.”. Desse modo, esse veículo de comunicação segue “um roteiro”, ou seja, transmite, na maior parte das vezes, o que o telespectador quer e está habituado a consumir. Toda essa lógica se insere na Indústria Cultural, que transforma o ordinário em extraordinário.
O italiano Giovanni Sartori analisa em seu livro “Homo videns” o vídeo e sua interferência na vida humana. O sociólogo ataca a Industria Cultural, se concentrando no surgimento da televisão, que acabou mudando a forma com que o ser humano compreende o mundo.
            Segundo Sartori, o que diferencia o Homo sapiens dos demais primatas é a sua capacidade simbólica. O filósofo alemão Cassirer diria que isso é possível por causa do desenvolvimento humano através da língua, do mito, da arte e da religião; todos estes compreendendo as formas da vida cultural do homem. A capacidade simbólica do homem se dá pela linguagem, que por meio dos signos produzem um significado.
            A diferença da linguagem humana é que ela pode falar de si própria, a metalinguagem. Assim, ele reflete sobre aquilo que diz e como irá dizer. Por isso, a língua não é somente uma forma de comunicar, mas também de pensar. Essa teoria pode ser contestada pela maneira que o homem vive com os avanços tecnológicos de hoje.
            A invenção da televisão é a que mais interessa para a análise do autor. Até então, o ser humano tinha duas direções de visão extra-humana: o microscópio e o binóculo, que atuavam inversamente. A televisão e mais tarde a cybercultura possibilitaram a visão do homem sem ele precisar ir até o local para ver. A cybercultura vai mais além porque possibilita a criação de universos imaginários.
            Com a TV a natureza da comunicação, antes sendo a palavra impressa ou radiotransmitida, é incorporada pela imagem. Assim, Sartori acredita que ela deixa de ser um acréscimo para o homem e passa a substituir, invertendo a relação entre compreender e ver. A televisão cria um novo tipo de ser humano. A “videocriança”, como é denominada, ao se tornar adulta continua surda aos estímulos transmitidos pela cultura escrita, atendendo somente aos estímulos audiovisuais.
            Ao inverter o progredir do mundo sensível para o inteligível do ser humano, ela atrofia a capacidade de abstração e compreensão, produzindo imagens e apagando conceitos. O autor cita Kant, que dizia que a ideia é um conceito necessário da razão, ao qual não pode ser dado nos sentidos qualquer objeto adequado, portanto aquilo que vemos com os sentidos não produzem e sim insere-se em conceitos. O Homo sapiens é suplantado pelo Homo videns.
            A política nesse âmbito se transforma em videopolítica, pois a TV informa através das notícias sobre a política local e mundial, ao mesmo tempo em que diverte e distrai. A televisão é formadora de opinião, condicionante do processo eleitoral e do governo. As pessoas em frente a tela ficam cada vez mais distantes da criticidade.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Controle em forma de biopolitica e hedonismo de massa


Em “Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri, é exposta a ideia de que a nova forma de governo, que os autores chamam de situação imperial, cria um potencial de revolução nunca visto antes por qualquer forma de regime. O conjunto dos explorados constituem uma multidão com poder político, conceito que será discutido em outro texto dos autores. Hardt e Negri tentam explicar que mesmo a mente humana sendo um instrumento de produção muito eficaz, a falta de criação é vista pela sociedade como uma forma de resistência a realidade presente. Isso pode ser concebido como causa para a modernidade líquida que se vive nos dias atuais, e portanto, não há durabilidade nas coisas.
A origem do Império da início à argumentação dos autores. Os conflitos do século XX, aparentemente apaziguados, caracterizam uma multidão que luta contra o controle do Estado, ou seja, ela deixa de aceitar sua subjulgação. Por isso, chega-se a conclusão de que o Império se constitui depois da ascenção desses novos poderes revolucionários, que se mostram irreprimíveis.
A multidão passa a agir com uma finalidade nela mesma, pois dirigindo as tecnologias e a produção ela alcança o próprio poder e felicidade. A partir deste momento, surge o desenvolvimento contemporâneo da multidão, no qual, o indivíduo trabalha e produz autonamente, assim reproduzindo todo o sentido da vida para si mesmo. A multidão é o poder singular de uma nova cidade, que se forma no momento em que a população começa a se impor na sociedade, deixando de ser simples figurantes para possuir peso e importância, respondendo ao Império.
Porém, não se deve enganar, pois a força imperial tenta, através de seus mecanismos, conter os movimentos dessa massa. Para isso ele isola esses movimentos, utiliza o policiamento nas cidades, segrega os países por meio das fronteiras e no trabalho diferencia os tipos de produtores: por raça, gênero, linguagem.  Esse isolamento é feito de uma maneira que não comprometa a produção do capital pela multidão, pois ele depende do sistema. Deve-se lembrar a Marx, pois ele em sua época ele já dizia que o Estado é responsável por essa manutenção do capitalismo . Preso nessa bolha, o poder se torna dominante da vida, que é tida ao mesmo tempo como alvo e resistencia do poder imperial.  Isso resulta na biopolítica, previamente discutida pelo filósofo Michel Foucault.
O pensamento do francês Foucault se extende na explicação dos mecanismos de controle, originários em uma sociedade disciplinar. A política de biopoder exercida pelo Estado, já na sociedade de controle, domina a vontade libertária do homem, que deposita sua confiança em seus representantes e acabam perdendo sua participação política. É função do Estado, na explicação do autor, a preservação  da vida humana (biopolítica), a partir de uma nova concepção contida na frase: “fazer viver, deixar morrer”.
 A biopolítica do totalitarismo moderno de um lado e a sociedade de consumo e de hedonismo de massa do outro ligam-se na explicação do conceito de vida nua de Giorge Agamben. Baseado nas ideias de Foucault e de Hannah Arendt de que os regimes contemporâneos apoiam-se nessa concepção de vida, na qual há uma cisão entre zoé e bios, a primeira que representa o simples fato de viver, comum a todos os seres, comparado a vida animal e a segunda que significa uma forma de viver peculiar ao homem que leva à reflexão e ao conhecimento, incentivando-o a participar da vida política.
A partir desse preâmbulo a respeito de bios e zoé, é possível definir a “vida nua”. O conceito consiste na vida do homem que tem produção predominante de zoé por conta da sociedade de controle, que extrai sua bios. Portanto, a biopolítica produz a vida nua. Ela o faz, em partes, por meio do hedonismo de massa. O ser humano passa por uma transformaçãoe o controle de seu corpo e de sua subjetividade não é mais exercido pelo individuo.
 A lógica capitalista insere o hedonismo na sociedade na medida em que sugere o consumo desenfreado e alienado. A indústria cultural, por exemplo, direciona os cidadãos à abandonarem a sua capacidade de pensamento e de conhecimento ao se satisfazerem com prazeres momentâneos, obtidos com o consumo de alguns produtos. Desse modo, o caráter político do homem é esquecido, pensando-se apenas no prazer que será obtido a partir de um bem material qualquer. Logo, a maior parte dos homens atualmente passa seu tempo trabalhando ou consumindo. Quando não estão praticando nenhuma dessas duas ações, estão sujeitos à indústria cultural. A comunicação de massa leva ao homem a se afastar da realidade, com programas de TV alienantes e performativos, propagandas que induzem o desejo de consumo, mesmo que o produto seja desnecessário para a compra. A Escola de Frankfurt critica exatamente essa indústria cultural que tem por objetivo distrair e servir de lazer para o homem e não o leva a refletir sobre a realidade, abrindo espaço para a manipulação e controle da população. Assim, os homens produzem e consomem em busca do prazer, do hedonismo.
 Essa busca desenfreada os submete ao poder estatal. De acordo com Agamben, “a implicação da vida nua na esfera política constitui o núcleo originário - ainda que encoberto - do poder soberano”. Ou seja, o que vê é um controle extremamente eficaz do Estado, por meio de mecanismos que tornam o homem um ser manipulável.
 A biopolítica do totalitarismo moderno contribui também de forma significativa para essa eficácia. Com a ideia de manutenção da vida, os cidadãos tornam-se aliados ao governo que os controla, o que foi visto claramente durante o nazismo. A partir da afirmação constante de que a permanência da “raça” ariana dependia do extremínio de outros povos a biopolítica foi instaurada. No caso, ela foi proveniente de ideias do século XVIII, fundamentais na definição de que, segundo “Vida Capital: Ensaios de Biopolítica”, de Peter Pál Pelbart, “a preocupação com a vida torna-se a luta contra o inimigo”.
            A principal materialização desse conceito foram os campos de concentração. Neles, é possível identificar a exclusão que se tem de quem não satisfaz o que o Estado deseja. Essas pessoas indesejáveis tornam-se, então, matáveis e insacrificáveis. Pode-se, dessa forma, fazer uma relação entre elas e o homo sacer. Na sociedade de controle, quem nao produz e consome não é de interesse do Estado e, diante disso, nenhuma lei o protege mais. Assim sendo, o estado de exceção, presente na vida desses homens que não têm leis os protegendo, está se tornando uma regra.
Agamben retoma o homem sacro da Antiguidade, encontrando inclusive a biopolítica nesse período, e explica a condição desses indivíduos que não estão de acordo com a lógica estatal. No Estado Antigo, quem cometesse um crime poderia ser morto (não havendo punições para o assassino) e, ao perder a vida, não teria direito a passar por nenhum ritual. Com isso, a subjetividade humana também era ignorada no caso do homo sacer, pois, ao se tornar “insacrificável”, rejeitava-se também seu corpo espiritual. O sentido de “espiritual” não é religioso, espírito se consiste na capacidade de conhecer do homem.
Antonio Negri e Michael Hardt, anteriormente citados, contextualizam em seus dois textos, “Império” e “Multidão”, a sociedade de hoje, composta por dois tipos de forças: a dos que querem dominar e a dos que não querem ser dominados. No primeiro texto, “Império”, ele explica a origem dessas forças e no segundo ele explica como a força da multidão é importante para a constituição de um poder democrático, que resiste.
Todas as teorias políticas tradicionais convergem em um ponto: somente o “uno” pode governar, seja ele o monarca, o Estado, o partido, a nação ou o povo.  Contudo, esse pensamento do poder do “uno” nega o conceito da democracia. Assim sendo, a democracia e a aristocracia são apenas fachadas, por quê teoricamente o poder só poderia ser monárquico.  A multidão não é um corpo social porque não pode ser reduzida a uma unidade e não se submete ao poder do uno.  Deste mesmo modo, a democracia que Spinoza chama de absoluta não é considerada uma forma de governo no sentido tradicional por não reduzir todas as formas de pluralidade à uma única forma de governo.
A multidão se organiza como uma linguagem, na qual todos os elementos são distintos uns dos outros, porém funcionam perfeitamente quando estão juntos. Além disso, é uma rede flexível que se organiza de acordo com regras aceitas em uma infinidade de maneiras. A democracia da multidão é em uma sociedade onde tudo é exposto para que todos possam trabalhar juntos na solução de seus problemas. Assim ocorre seu funcionamento, com um conjunto de regras fixas, mas onde as seguir é mais fluído, mais livre e pode se alterar, com suas próprias configurações, ao longo do tempo.
A constituição da multidão baseia-se na possibilidade legítima de desobediência e, dessa maneira, há uma inversão na relação de obrigação. Para o filósofo Thomas Hobbes a obrigação de obedecer é a base de todo o direito civil. Essa obrigação só surge para a multidão quando há algum processo decisório, em decorrência de sua atividade política - portanto ativa -, e a obrigação dura enquanto houver essa vontade. Esse processo pode ser visto e entendido como uma forma de expressão da multidão. O projeto democrático da multidão está tanto exposto à violência militar quanto à repressão policial, dessa maneira, ao se defender dos ataques acaba se definindo como resistência. Nessa situação, é dever da multidão configurar essa força de resistência em uma forma de poder constituinte.
A produção da biopolítica é uma questão ontológica por estar criando um novo ser social. O paradoxo nessa relação se dá porque o comum é ao mesmo tempo o produto final e a condição fundamental da produção.
A multidão é um meio de romper este controle e levar a sociedade a ter autonomia de si mesma. Um dos meios que a multidão tem de se rebelar é a internet, através de redes sociais e mídias alternativas . As informações de um grupo ultrapassam a rede  e o lugar físico em que se constituiu e, dessa maneira, o pensamento se dissemina. As redes sociais potencializam essa característica ao permitirem uma conotação política aos participantes, já que deixando suas posições de “indivíduos mansos”, os indivíduos passem a participar ativamente das decisões de seu país e do mundo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Mecanismos de dominação na sociedade do controle


O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) analisa a questão do poder e da política de modo peculiar, pois, ao buscar entender a organização social, expõe os mecanismos que garantem a manutenção do capitalismo. Como base para sua argumentação, ele avalia a sociedade a partir do ponto de vista de que as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem, pois o fundamental é vigiá-los e adestrá-los em espaços determinados. Assim, o espírito revolucionário e libertário do homem é apaziguado por uma classe dominadora e controladora, que deseja manter a forma capitalista de vida. Isso só é possível devido a existência um hábito da servidão voluntária, explicada pelo filósofo Etienne de La Boétie, que consiste na vontade dos trabalhadores em servir e em sobreviver. Esse tipo de sociedade e que só teria fim com a consciência de classe, segundo a Escola de Frankfurt, pois seria uma nova maneira de pensar o mundo, com uma autoconsciência social cítica.

A sociedade disciplinar surgiu após a industrialização. Com o surgimento das novas tecnologias, ocorre a artificialização do tempo e do espaço pela técnica, que priva a sociabilidade dos seres humanos. A partir de então, ocorre a individualização da massa que era homogênea, pois as instituições passam a formar indivíduos. Dessa forma, diversas instituições passam a formar pessoas diferentes através de um micropoder, que deve ser sempre exercido em um local e em um espaço específicos e a partir de um saber e da vigilância. Essa população heterogênea tem, entretanto, algumas características em comum: é mansa, consumidora e produtora. Além disso, todos os indivíduos querem viver, o que é tomado como embasamento para a dominação estatal na sociedade de controle. 
No final do século XX, a sociedade disciplinada, que tem como característica a relação de poder das microinstituições que controlam o homem e dominam e aquietam suas vontades libertárias e sua capacidade de resistência,  se torna a sociedade de controle, que é, então, regida pela política de biopoder. Ela é exercida pelo Estado, que, ao contrário de quando era apenas mais uma instituição na sociedade disciplinar, se torna uma instituição estratégica. Dessa forma, a disciplina deixa de ser apenas o aspecto social fundamental para se transformar em um poder, ou seja, o micropoder ainda é essencial para que haja uma população aos moldes da que é construída, mas deixa de ser o elemento principal.
O biopoder se constitui na produção e manutenção da vida. Logo, cria-se um vínculo de parceria entre o Estado e a população, pois o primeiro garante o direito de viver ao segundo. Diferentemente da enunciação Hobbesiana, na qual o controle da sociedade baseava-se na morte, com a afirmação: “fazer morrer e deixar viver”, espalhando o terror e  a penalização de morte, em Focault essa visão é invertida, o Estado adota a lógica contrária: “fazer viver e deixar morrer”.  À medida em que desfruta desse vínculo, o Estado exerce um controle social, pois os cidadãos, ao confiarem no poder estatal como uma forma de manter sua vida, depositam tanta responsabilidade nos representantes políticos que perdem a sua força pública. Para que isso seja viável é necessário que os indivíduos sejam como o poder disciplinar os formou, isto é, mansos, produtores e consumidores. No Brasil, esse sistema de biopoder é exemplificado por alguns programas de “incentivo” a vida, como o SUS (Sistema Único de Saúde) que torna o acesso à saúde gratuita para todo cidadão brasileiro, incluindo exames médicos, cirurgias e distribuição de remédios com o custo reduzido, ou até mesmo de graça. A Previdência Social, que substitui a renda salarial do trabalhador contribuinte a partir do momento que ele perde a capacidade trabalhar, a fim de garantir a sua e de sua família proteção e bem estar social. E também os Planos de Saúde, o qual através de mensalidades seus contribuintes têm vantagens médicas e hospitalares.
Um exemplo histórico dessa política é o Estado Nazista. Liderado por Hitler, o povo ariano teve sua vida valorizada e mantida na medida que se deixava morrer os judeus. Teve-se, portanto, a ideia de que o Estado produzia a vida ariana e, para que isso se efetivasse, deixava o povo judaico morrer. Desse modo, percebe-se um caráter higienista, que pode ser explicado pela racionalidade cartesiana, já que ela se fundamenta na dicotomia. De acordo com essa razão difundida por Descartes, tudo tem uma causa e um efeito, algo é bom ou mau. No caso alemão, isso aparece quando surge o argumento de que o ariano não está em uma condição financeira favorável por causa do judeu. Além disso, o pensamento nazista sugere que um povo é superior ao outro, o que remete diretamente à dualidade do bom e do mau.
Um fator que perpetua essa racionalidade é, de acordo com os pensadores da Escola de Frankfurt, a indústria cultural. Em “Dialética do Esclarecimento” (1944), Theodor Adorno e Max Horkheimer, pensadores frankfurtianos, desenvolvem a perspectiva de que é essa indústria que distrai o homem no momento em que surgiria nele a consciência, essencial para o esclarecimento e para que haja uma mudança de valoração social. O que se vê, tanto na sociedade disciplinar, quanto na de controle, são indivíduos que trabalham muito e que, ao chegar em casa procuram se desligar da realidade em que vivem. Para isso, assistem à televisão, por exemplo, que veicula exatamente o que as outras técnicas da indústria cultural o fazem: incentivam a mansidão, o consumismo e a produtibilidade. Tudo isso é essencial para o capitalismo, e é, portanto, disseminado pela mídia e, na maioria das vezes, aderido pela população.
Assim sendo, a Indústria Cultural e Informativa tem uma grande influência em como a população encara os fatos decorrentes do dia a dia. O cotidiano da cidade não permite que haja tempo para a interação política da população, não há inclusive discussão suficiente para isso. Na sociedade, o Estado pode ser visto como necessário, porém na sociedade de controle a população deixa de vigiar o mesmo e é isso que gera críticas.
Perdeu-se o sentido de ser cidadão no ato político e passa-se a adotar uma postura que visa o cumprimento de regras cegamente. Essa comportamento passou a ser coerente ao de um “bom cidadão”. Fabrica-se, então, uma população justiceira, com um ideal de moralidade que ultrapassa os limites possíveis e que garante o seu próprio controle, sem que ela saiba. O indivíduo neste momento já se encontra disciplinado e cria-se uma população vigilante de si mesma. A própria organização atual do Estado Republicano Democrático faz com que a população se sinta representada e participativa, porém é somente uma maneira para que ela não se rebele. Os partidos políticos filtram seus candidatos a partir de seus interesses e, portanto, surge o elitismo, seja ele político ou econômico. Entretanto, nessa burocracia que ali surge não há participação direta do povo, e sim ilusória. Aquilo que decidem não sai da teoria, como por exemplo, as eleições que servem para passar a ideia de que os individuos participam. A intenção era ter uma população que passa a ser parceira de sua própria governabilidade, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizia durante seu governo que a sociedade precisa controlar a situação, sendo responsável então, pela organização do Estado.
Para Foucault, o Panóptico, principal forma de controle e vigilância, é uma “diabólica peça de maquinaria”, onde a disciplina se torna institucionalizada nos sistemas penitênciários, escolas, hospitais e asilos. Esta age devido à interiorização de uma sujeição implantada nas mentes que se dá pela vigilância e punição. Segundo o escritor, no Panóptico, a vigilância é onipresente, impedindo que qualquer carcerário cometa algum ato rebelioso sem que não fosse observado. Esse sentimento de constante vigilância permanece na sociedade do controle, já que está submetida à câmeras de segurança, catracas, e senhas, levando a força de coerção, de punição e “medo” a controlar e ditar as atitudes e comportamento do homem. A vigilância neste momento, mesmo que inexistente, mostra-se eficaz e torna-se um objeto de dominação e controle interminável.
No dia 24 de setembro de 2012, os alunos do Colégio Rio Branco se depararam com uma situação nunca vivida na cidade de São Paulo. Em todas as salas de aula, havia pelo menos uma câmera de vídeo, que estaria monitorando os estudantes. Em ato de protesto, eles se recusaram a entrar nas salas, o que desencadiou a suspensão de 107 alunos, que retornaram às aulas um dia depois o ocorrido. Um aluno, que preferiu não se identificar, em entrevista para o jornal Estado de S.Paulo, disse: "Queremos que eles expliquem o porquê das câmeras e também o porquê de não terem nos avisado sobre a medida". O caso recente demonstra que a teoria de Foucault está presente no cotidiano da sociedade, que tenta vigiar até mesmo um ambiente para discussões que é a sala de aula.
Essa resistência pelos alunos demonstra que existe hoje uma facilidade maior para se deparar com os mecanismos arcaicos de dominação, que se reproduzem nas novas tecnologias. Porém, a população possui o acesso tecnológico ao meio pelo qual estão sendo controladas e, dessa maneira, há a possibilidade de driblarem essa dominação estatal e capitalista.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A sociedade e o poder por Foucault


Michel Foucault, nascido na França no século XIX, é um filósofo muito próximo da contemporaneidade, pois estudou parte da política que hoje se vivencia. Sua corrente de pensamento é baseada nas ideias de Friedrich Nietzsche, o que explica o fato de ele buscar a genealogia de conceitos. Foucault pesquisa então a genealogia das instituições, que descobre ser o poder. A partir daí, desenvolve ideias de como o poder é exercido e também de como já o foi no cotidiano social.
Primeiramente, é importante explicar alguns princípios de Nietzsche para que o pensador em questão seja compreendido. Esse intelectual que lhe serviu de base defende uma avaliação sobre a vida e seus componentes fundamentada em uma pluralidade de valores. Para isso, utiliza como método a genealogia. Tudo isso vai em sentido contrário ao que até então era predominante: uma avaliação de acordo com o bem e o mal, originada por Descartes. Assim sendo, o pensamento nietzscheano acredita que a sociedade desfruta de valores desvalorados e que um super homem seria um que ultrapassasse essa moralidade, o bem e o mal, indo além da metafísica. Também complementa com a ideia de que todo homem tem vontade de verdade e vontade de potência.
Para Foucault, essa vontade de verdade é o saber e a vontade de potência é o poder. E é exatamente do exercício desse poder que surgem as instituições. Para descobrir essa genealogia, analisou algumas clínicas psiquiátricas.
Ao retomar as ideias de Hobbes, Foucault desenvolve a sua tese. Na sociedade que o contratualista expõe existe uma instituição máxima de poder, o Estado,  que domina a massa e a deixa mansa por meio de uma relação vertical. No caso, entende-se que não há indivíduos dentro dessa massa.
O francês repensa essas ideias ao apresentar a rede microfísica do poder. Para ele, cada instituição (escola, igreja e família, por exemplo) exerce um micropoder sobre o indivíduo de forma eficiente, pois o fabrica. Esse poder é disciplinar e depende do tempo, do espaço, da vigilância e do saber. Todos esses micropoderes formam uma rede que torna mais fácil o controle do Estado. Portanto, os indivíduos serão disciplinados e dominados, mantendo assim a ordem , para que haja o progresso. Contudo, também é necessário lembrar que da mesma maneira que a dominação se exerce, os dominados também podem criar estretégias de resistência para driblar os mecanismos - já que não é possível saber se a mente do indivíduo também está “disciplinarizada”. Esse pensamento levou os anarquistas à estudá-lo posteriormente.
“O Panóptico” de Jeremy Bentham complementa a ideia de vigilância do poder disciplinar do autor. Os indivíduos estariam dispostos em um edifício que tem forma circular, com uma grande torre ao centro, onde estaria o vigilante. Cada pessoa ficaria em uma cela e seria observada pelo vigilante, que poderia vê-lo à todo momento. Já o prisioneiro não conseguiria perceber se realmente estava sendo observado ou não. Portanto, foi assim que os indivíduos introjetaram um comportamento servil. Na atualidade ele ainda pode ser encontrado, mesmo porque foi evidenciado a medida que as pessoas passaram a requisitá-lo - o que é demonstrado pela adoração à programas como o Big Brother Brasil ou até pela necessidade constante de câmeras de vigilância, de senhas ou até radares.
Com isso, Foucault reflete sobre a sociedade de controle em que vivemos, voltando-se para o conceito do biopoder, que é o poder que tem como intuito produzir a vida. O Estado passa, portanto, por uma inversão de valores, pois a partir do pensamento hobbesiano sua função seria “fazer morrer, deixar viver” e, ao contrário disso, Foucault acredita que com o biopoder há o “fazer viver, deixar morrer”. A grande questão para compreender essa mudança é que o Estado demonstra querer apenas produzir e manter a vida das pessoas que lhe são uteis, como consumidores e produtores. Portanto, deixa-se morrer os excluidos socio, economico e politicamente. Isso culminará no pensamento eugênico mais tarde, origem do nazismo. Fazer morrer alguns em prol do desenvolvimento de outros.
Assim sendo, o desenvolvimento das ideias desse autor permite que uma reflexão seja feita a respeito dos mecanismos de controle e de dominação do cotidiano social. Ao considerá-las, nota-se que o ser humano está sob dominação a todo o tempo - até mesmo no momento em que o individualismo e a liberdade triunfam.  Percebe-se até que o indivíduo por si só sempre sofreu influência desses poderes externos para se formar. Apesar de tudo isso, há ainda espaço para a resistência na sociedade. Há ainda espaço para a criação de uma consciência autônoma, que não seja disciplinarizada e que não defenda uma medida higienizadora.

terça-feira, 5 de junho de 2012

“Proletariado, uni-vos!”


Karl Marx, importante pensador alemão do século XIX, teceu diversas críticas ao sistema capitalista. Demonstrou como, no decorrer da história, a propriedade privada se mostrou um fator decisivo para uma crise no modelo social, que foi acentuada quando a burguesia fez da exploração do proletariado uma forma de produção. Com isso, a Revolução Proletária, segundo o autor, significa o fim da crise capitalista para a introdução do governo Socialista, pois para ele, a base de cada sociedade humana é o processo de trabalho. Não como ele se encontra atualmente, mas com os seres humanos cooperando entre si para fazer uso das forças da natureza e, portanto, satisfazendo as suas necessidades
Para Marx, o homem passa de uma situação de penúria e vai para um estado de abundância com essa revolução. Sendo o primeiro o estado primitivo do homem e o segundo o Comunismo. Ou seja, a ausência da propriedade privada. Retomando os princípios de Rousseau, Marx afirma que o cercamento de uma área para a prática de agricultura e ade pecuária gerou a propriedade privada, que, por sua vez, levou ao fim o nomadismo. Dessa maneira, surge a cidade política, na qual existe uma àgora para discussões. Nessa época, o campo se torna produtor de bens para a cidade. A cidade política passa a ser cidade comercial quando a àgora se volta principalmente ao comércio, sendo essa conhecida como feudo e conta com uma produção autosuficiente. A medida em que os feudos não comportavam mais indivíduos, as pessoas começam a se abrigar em volta dos muros, produzindo o artesanato - que será trocado, dando início à troca simples.
A cidade industrial aparece acompanhada ao aparecimento das indústrias. A partir deste momento, os bens são considerados mercadorias, a desigualdade social passa a ser algo descomunal e o privado começa a se beneficiar, atropelando o coletivo. Nessa época surgem os pensadores liberais, que tentam controlar a população da maneira que ela já está, e os pensadores radicais, em contraposição, incentivam uma revolta do proletariado.
De acordo com as ideias do pensador em questão, a exploração proletária teve início no momento em que os burgueses especializaram o trabalho. Até então, o trabalho era uma forma de objetivação da essência dos seres humanos, pois eles moldavam a natureza de acordo com eles mesmos. Dessa objetivação, surgiam os produtos. Entretanto, isso foi alterado com a industrialização, processo pelo qual os burgueses, detentores dos meios de produção, os ofereciam em troca de trabalho. Perceberam que, ao dividir as tarefas entre as pessoas, produziriam mais durante o mesmo período de tempo. Dessa maneira cada operário só sabia fazer uma parte do produto. Isso fez com que os seres humanos não mais se identificassem com os objetos produzidos no trabalho, pois não sabiam produzi-los inteiramente. Não há mais então realização no trabalho, mas sim alienação, o que é bem demonstrado por Charles Chaplin, no filme “Tempos Modernos”.  A partir do momento em que as pessoas estão alienadas, elas aceitam passivamente a dominação pela qual estão sendo submetidas.
Esse espaço de tempo entre a era capitalista e a Revolução Proletária é denominado pelo filósofo como um período de crise. Em “O Capital”, Marx analisou o capitalismo não como a forma de sociedade correspondente à natureza humana, mas como um modo de produção historicamente transitório cujas contradições internas o levariam à quebra do sistema. O Comunismo, nesse contexto, introduziria uma sociedade de lazer, onde as pessoas trabalhariam menos e onde não haveria a propriedade privada. A Revolução Proletária será a primeira e única revolução do povo e para o povo. As outras revoluções só fizeram uma mudança do grupo social que estava no poder e não levaram a profundas mudanças na sociedade. Para ele, essa revolução consiste em três etapas. Primeiramente, defende que uma revolução armada do proletariado deve acontecer. Em seguida, ocorrerá a consciência de classe. E, só então, os operários perceberão que estavam sendo explorados.
Portanto, de acordo com os princípios desse pensador, os mecanismos de dominação presentes no sistema capitalistas são formulados pelos burgueses e aplicados ao proletariado. Além dessa opressão retratada no texto, deve-se considerar que uma importante ferramenta para a manutenção dessa dominação são medidas paliativas, como o Bolsa Família atualmente, que evitam a revolução por meio da distribuição mínima da renda. Dessa forma, Marx se tornou o mais rigoroso crítico do capitalismo. Sua meta era entendê-lo como uma forma de sociedade, descobrir o que faz o capitalismo diferente das formas anteriores de sociedade, e que contradições levariam à sua futura transformação. Assim, ele questionou a imposição do capitalismo, propondo uma luta de classes que, impreterivelmente, desse fim a esse sistema injusto e opressor, instaurando o comunismo. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Contratualistas em xeque




Na política, alguns pensadores são classificados como contratualistas, pois defendem que a sociedade, ao invés de ter se fundamentado naturalmente, é o resultado de um acordo das vontades das pessoas. Assim, sugerem que houve um contrato hipotético. Entre eles, há John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau. Apesar dessa semelhança, cada um tem as suas próprias convicções em relação aos conceitos expostos por eles, como a liberdade, por exemplo, o que permite que seja feita uma comparação entre os autores.

Nos estudos dos três filósofos, inclui-se também o conceito de propriedade privada, onde cada um deles o expõe de maneiras diferentes. Comecemos por Thomas Hobbes, que negava o direito natural à propriedade. Para ele, o Estado deve proteger tudo o que ao homem pertence, garantindo o sistema de propriedade individual, pois para esse autor a propriedade privada não existia no estado de natureza onde todos têm direito a "tudo", mas na verdade "ninguém" tem direito a nada. Somente após o surgimento do Estado, foi possível garantir a posse da propriedade privada e sua utilização de forma equilibrada e garantindo a coesão e ajustiça social. De acordo com ele, Estado é a condição para a existência da sociedade e da propriedade, pois, fora dele, a ganância colocaria em risco a vida dos indivíduos. Com um pensamento semelhante, Rousseau também defende que o direito de propriedade somente é possível em consequência da formação do Estado. Este segundo pensador dizia que o criador da sociedade é a propriedade privada. No momento em que todo território é cercado, se torna privado e os indivíduos que não possuem propriedades são obrigados a se render ao trabalho para aqueles que têm. É importante ressaltar que para Rousseau, o homem se corrompe de fato após a instituição da propriedade privada, que irá estimular e perverter sentimentos de caráter egoístas e mesquinhos.

O pensador iluminista John Locke acredita na união das pessoas para gerar um Estado harmonioso, ao contrário de Rousseau ele tinha um pensamento radical, o qual dizia que a terra é do individuo porque ele trabalhou naquele local. Sua característica em comum com Hobbes é o "individualismo possessivo", pelo qual, "a essência humana é o ser livre da dependência as vontades alheias, e a liberdade que existe como um exercício de posse". Isso significa que para Locke todos somos proprietários, mesmo aqueles seres humanos que não possuem nenhum bem é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho, afirmando com a seguinte consideração “Embora a terra e todos seus frutos sejam propriedade comum a todos os homens, cada homem tem uma propriedade particular em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo.” Ainda sobre esse pensador, concluímos que para ele e a propriedade existe de fato quando o homem passa a trabalhar a terra. Se o título de posse da propriedade não é o contrato, se não existe uma relação jurídica entre dois ou mais indivíduos, há de se dizer que se está diante de um fato unilateral e verdadeiramente natural, que é o trabalho. Ou seja, a propriedade é legitima quando não monopolizada por um indivíduo ou por uma classe de indivíduos.
  
Retomando o conceito de estado de natureza de Hobbes, um estado hipotético dos primórdios dos seres humanos, supõe uma liberdade ilimitada e sem regras para a preservação da vida. Ela, juntamente com a ideia de homem opaco e de igualdade, caracteriza o resultado de um mundo caótico e tenso. O contrato social, também hipotético tiraria o caráter livre do homem, pois ele seria controlado pelo soberano que teria o mesmo objetivo de lutar pela vida de seus súditos. John Locke refuta esse pensamento com sua influência ideológica do liberalismo, defendendo pela primeira vez a liberdade e o governo misto. O homem passa a ser proprietário de sua vida e, portanto, de sua liberdade. A ideia de liberdade se junta a ideia de maioria. Já em Rousseau, a visão pessimista de que a liberdade natural não existe cria o conceito de vontade geral. O que existe é um Estado que só opera com os desejos da população, submetendo-se, pela primeira vez, o governo ao povo, acabando com o que se conhece como representação política. O homem deve estar sempre vigilante para que a vontade geral não seja substituída pela vontade individual.

Cada um deles tem a sua concepção própria sobre o estado de natureza do ser humano. Para Rousseau, os indivíduos estão isolados pela natureza e sobrevivem daquilo que esta oferece. Este estado de felicidade e contentamento acaba quando um indivíduo cerca um lugar e intitula aquele pedaço de terra como dele. Em outras palavras, a felicidade dos indivíduos acaba com o surgimento da propriedade privado. Assim, o estado de sociedade, que se dá a partir deste momento, é um estado de guerra constante. Já na concepção de Hobbes, o estado de natureza é o estado de sociedade de Rousseau, onde os homens vivem isolados e em luta permanente. Este estado é formado por homens opacos, homens que por só saberem o que se passa na sua cabeça e não na dos outros, ataca-os por medo de serem atacados. O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau mostram uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, onde o poder da força sai vitorioso. Para acabar com esse estado de vida, os indivíduos decidem passar a uma sociedade civil, ou seja, ao Estado Civil, onde será criado o poder político e as leis. Para Locke, o estado de natureza, por mais pacífico que pareça, não está isento de violações de propriedades, que pela ausência de leis, leva os indivíduos ao estado de guerra. O contrato social desse grupo é escrito de maneira autônoma e tem como objetivo a preservação da propriedade privada e da comunidade.

A partir dessa análise, as grandes divergências entre esses pensadores se tornam muito claras. Cada um desenvolveu sua tese de acordo com o seu contexto histórico, o que, em partes, gerou essa disparidade profunda. Hobbes fundamentou o absolutismo quando garantiu a soberania e o poder ilimitado ao Estado. Enquanto isso, Locke defendeu o liberalismo ao enunciar os direitos do indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade. Em contrapartida, Rousseau instaura ideias revolucionárias à medida que torna o povo soberano e acredita que ele pode reivindicar caso o seu interesse não seja atendido. Torna-se então evidente que cada autor seguiu as suas próprias tendências, mas que todos compartilharam da mesma ideia, a de que, em algum momento no passado remoto, as pessoas tiveram a vontade de se agrupar para criar uma sociedade.