terça-feira, 8 de maio de 2012

Contratualistas em xeque




Na política, alguns pensadores são classificados como contratualistas, pois defendem que a sociedade, ao invés de ter se fundamentado naturalmente, é o resultado de um acordo das vontades das pessoas. Assim, sugerem que houve um contrato hipotético. Entre eles, há John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau. Apesar dessa semelhança, cada um tem as suas próprias convicções em relação aos conceitos expostos por eles, como a liberdade, por exemplo, o que permite que seja feita uma comparação entre os autores.

Nos estudos dos três filósofos, inclui-se também o conceito de propriedade privada, onde cada um deles o expõe de maneiras diferentes. Comecemos por Thomas Hobbes, que negava o direito natural à propriedade. Para ele, o Estado deve proteger tudo o que ao homem pertence, garantindo o sistema de propriedade individual, pois para esse autor a propriedade privada não existia no estado de natureza onde todos têm direito a "tudo", mas na verdade "ninguém" tem direito a nada. Somente após o surgimento do Estado, foi possível garantir a posse da propriedade privada e sua utilização de forma equilibrada e garantindo a coesão e ajustiça social. De acordo com ele, Estado é a condição para a existência da sociedade e da propriedade, pois, fora dele, a ganância colocaria em risco a vida dos indivíduos. Com um pensamento semelhante, Rousseau também defende que o direito de propriedade somente é possível em consequência da formação do Estado. Este segundo pensador dizia que o criador da sociedade é a propriedade privada. No momento em que todo território é cercado, se torna privado e os indivíduos que não possuem propriedades são obrigados a se render ao trabalho para aqueles que têm. É importante ressaltar que para Rousseau, o homem se corrompe de fato após a instituição da propriedade privada, que irá estimular e perverter sentimentos de caráter egoístas e mesquinhos.

O pensador iluminista John Locke acredita na união das pessoas para gerar um Estado harmonioso, ao contrário de Rousseau ele tinha um pensamento radical, o qual dizia que a terra é do individuo porque ele trabalhou naquele local. Sua característica em comum com Hobbes é o "individualismo possessivo", pelo qual, "a essência humana é o ser livre da dependência as vontades alheias, e a liberdade que existe como um exercício de posse". Isso significa que para Locke todos somos proprietários, mesmo aqueles seres humanos que não possuem nenhum bem é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho, afirmando com a seguinte consideração “Embora a terra e todos seus frutos sejam propriedade comum a todos os homens, cada homem tem uma propriedade particular em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo.” Ainda sobre esse pensador, concluímos que para ele e a propriedade existe de fato quando o homem passa a trabalhar a terra. Se o título de posse da propriedade não é o contrato, se não existe uma relação jurídica entre dois ou mais indivíduos, há de se dizer que se está diante de um fato unilateral e verdadeiramente natural, que é o trabalho. Ou seja, a propriedade é legitima quando não monopolizada por um indivíduo ou por uma classe de indivíduos.
  
Retomando o conceito de estado de natureza de Hobbes, um estado hipotético dos primórdios dos seres humanos, supõe uma liberdade ilimitada e sem regras para a preservação da vida. Ela, juntamente com a ideia de homem opaco e de igualdade, caracteriza o resultado de um mundo caótico e tenso. O contrato social, também hipotético tiraria o caráter livre do homem, pois ele seria controlado pelo soberano que teria o mesmo objetivo de lutar pela vida de seus súditos. John Locke refuta esse pensamento com sua influência ideológica do liberalismo, defendendo pela primeira vez a liberdade e o governo misto. O homem passa a ser proprietário de sua vida e, portanto, de sua liberdade. A ideia de liberdade se junta a ideia de maioria. Já em Rousseau, a visão pessimista de que a liberdade natural não existe cria o conceito de vontade geral. O que existe é um Estado que só opera com os desejos da população, submetendo-se, pela primeira vez, o governo ao povo, acabando com o que se conhece como representação política. O homem deve estar sempre vigilante para que a vontade geral não seja substituída pela vontade individual.

Cada um deles tem a sua concepção própria sobre o estado de natureza do ser humano. Para Rousseau, os indivíduos estão isolados pela natureza e sobrevivem daquilo que esta oferece. Este estado de felicidade e contentamento acaba quando um indivíduo cerca um lugar e intitula aquele pedaço de terra como dele. Em outras palavras, a felicidade dos indivíduos acaba com o surgimento da propriedade privado. Assim, o estado de sociedade, que se dá a partir deste momento, é um estado de guerra constante. Já na concepção de Hobbes, o estado de natureza é o estado de sociedade de Rousseau, onde os homens vivem isolados e em luta permanente. Este estado é formado por homens opacos, homens que por só saberem o que se passa na sua cabeça e não na dos outros, ataca-os por medo de serem atacados. O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau mostram uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, onde o poder da força sai vitorioso. Para acabar com esse estado de vida, os indivíduos decidem passar a uma sociedade civil, ou seja, ao Estado Civil, onde será criado o poder político e as leis. Para Locke, o estado de natureza, por mais pacífico que pareça, não está isento de violações de propriedades, que pela ausência de leis, leva os indivíduos ao estado de guerra. O contrato social desse grupo é escrito de maneira autônoma e tem como objetivo a preservação da propriedade privada e da comunidade.

A partir dessa análise, as grandes divergências entre esses pensadores se tornam muito claras. Cada um desenvolveu sua tese de acordo com o seu contexto histórico, o que, em partes, gerou essa disparidade profunda. Hobbes fundamentou o absolutismo quando garantiu a soberania e o poder ilimitado ao Estado. Enquanto isso, Locke defendeu o liberalismo ao enunciar os direitos do indivíduo à vida, à liberdade e à propriedade. Em contrapartida, Rousseau instaura ideias revolucionárias à medida que torna o povo soberano e acredita que ele pode reivindicar caso o seu interesse não seja atendido. Torna-se então evidente que cada autor seguiu as suas próprias tendências, mas que todos compartilharam da mesma ideia, a de que, em algum momento no passado remoto, as pessoas tiveram a vontade de se agrupar para criar uma sociedade.