Em “Império”, de Michael Hardt e Antonio
Negri, é exposta a ideia de que a nova forma de governo, que os autores chamam
de situação imperial, cria um potencial de revolução nunca visto antes por
qualquer forma de regime. O conjunto dos explorados constituem uma multidão com
poder político, conceito que será discutido em outro texto dos autores. Hardt e
Negri tentam explicar que mesmo a mente humana sendo um instrumento de produção
muito eficaz, a falta de criação é vista pela sociedade como uma forma de
resistência a realidade presente. Isso pode ser concebido como causa para a
modernidade líquida que se vive nos dias atuais, e portanto, não há
durabilidade nas coisas.
A origem do Império da início à argumentação
dos autores. Os conflitos do século XX, aparentemente apaziguados, caracterizam
uma multidão que luta contra o controle do Estado, ou seja, ela deixa de
aceitar sua subjulgação. Por isso, chega-se a conclusão de que o Império se
constitui depois da ascenção desses novos poderes revolucionários, que se
mostram irreprimíveis.
A multidão passa a agir com uma finalidade
nela mesma, pois dirigindo as tecnologias e a produção ela alcança o próprio
poder e felicidade. A partir deste momento, surge o desenvolvimento
contemporâneo da multidão, no qual, o indivíduo trabalha e produz autonamente,
assim reproduzindo todo o sentido da vida para si mesmo. A multidão é o poder
singular de uma nova cidade, que se forma no momento em que a população começa
a se impor na sociedade, deixando de ser simples figurantes para possuir peso e
importância, respondendo ao Império.
Porém, não se deve enganar, pois a força
imperial tenta, através de seus mecanismos, conter os movimentos dessa massa.
Para isso ele isola esses movimentos, utiliza o policiamento nas cidades,
segrega os países por meio das fronteiras e no trabalho diferencia os tipos de
produtores: por raça, gênero, linguagem. Esse isolamento é feito de uma
maneira que não comprometa a produção do capital pela multidão, pois ele
depende do sistema. Deve-se lembrar a Marx, pois ele em sua época ele já dizia
que o Estado é responsável por essa manutenção do capitalismo . Preso nessa
bolha, o poder se torna dominante da vida, que é tida ao mesmo tempo como alvo
e resistencia do poder imperial. Isso resulta na biopolítica, previamente
discutida pelo filósofo Michel Foucault.
O pensamento do francês Foucault se extende
na explicação dos mecanismos de controle, originários em uma sociedade
disciplinar. A política de biopoder exercida pelo Estado, já na sociedade de
controle, domina a vontade libertária do homem, que deposita sua confiança em
seus representantes e acabam perdendo sua participação política. É função do
Estado, na explicação do autor, a preservação da vida humana (biopolítica),
a partir de uma nova concepção contida na frase: “fazer viver, deixar morrer”.
A
biopolítica do totalitarismo moderno de um lado e a sociedade de consumo e de
hedonismo de massa do outro ligam-se na explicação do conceito de vida nua de
Giorge Agamben. Baseado nas ideias de Foucault e de Hannah Arendt de que os
regimes contemporâneos apoiam-se nessa concepção de vida, na qual há uma cisão
entre zoé e bios, a primeira que representa o simples fato de
viver, comum a todos os seres, comparado a vida animal e a segunda que
significa uma forma de viver peculiar ao homem que leva à reflexão e ao
conhecimento, incentivando-o a participar da vida política.
A partir desse preâmbulo a respeito de bios e
zoé, é possível definir a “vida nua”. O conceito consiste na vida do homem que
tem produção predominante de zoé por conta da sociedade de controle, que
extrai sua bios. Portanto, a biopolítica produz a vida nua. Ela o faz,
em partes, por meio do hedonismo de massa. O ser humano passa por uma
transformaçãoe o controle de seu corpo e de sua subjetividade não é mais
exercido pelo individuo.
A
lógica capitalista insere o hedonismo na sociedade na medida em que sugere o
consumo desenfreado e alienado. A indústria cultural, por exemplo, direciona os
cidadãos à abandonarem a sua capacidade de pensamento e de conhecimento ao se
satisfazerem com prazeres momentâneos, obtidos com o consumo de alguns
produtos. Desse modo, o caráter político do homem é esquecido, pensando-se
apenas no prazer que será obtido a partir de um bem material qualquer. Logo, a
maior parte dos homens atualmente passa seu tempo trabalhando ou consumindo.
Quando não estão praticando nenhuma dessas duas ações, estão sujeitos à
indústria cultural. A comunicação de massa leva ao homem a se afastar da
realidade, com programas de TV alienantes e performativos, propagandas que
induzem o desejo de consumo, mesmo que o produto seja desnecessário para a
compra. A Escola de Frankfurt critica exatamente essa indústria cultural que
tem por objetivo distrair e servir de lazer para o homem e não o leva a
refletir sobre a realidade, abrindo espaço para a manipulação e controle da
população. Assim, os homens produzem e consomem em busca do prazer, do
hedonismo.
Essa
busca desenfreada os submete ao poder estatal. De acordo com Agamben, “a
implicação da vida nua na esfera política constitui o núcleo originário - ainda
que encoberto - do poder soberano”. Ou seja, o que vê é um controle
extremamente eficaz do Estado, por meio de mecanismos que tornam o homem um ser
manipulável.
A
biopolítica do totalitarismo moderno contribui também de forma significativa
para essa eficácia. Com a ideia de manutenção da vida, os cidadãos tornam-se
aliados ao governo que os controla, o que foi visto claramente durante o
nazismo. A partir da afirmação constante de que a permanência da “raça” ariana
dependia do extremínio de outros povos a biopolítica foi instaurada. No caso,
ela foi proveniente de ideias do século XVIII, fundamentais na definição de
que, segundo “Vida Capital: Ensaios de Biopolítica”, de Peter Pál Pelbart, “a
preocupação com a vida torna-se a luta contra o inimigo”.
A
principal materialização desse conceito foram os campos de concentração. Neles,
é possível identificar a exclusão que se tem de quem não satisfaz o que o Estado
deseja. Essas pessoas indesejáveis tornam-se, então, matáveis e
insacrificáveis. Pode-se, dessa forma, fazer uma relação entre elas e o homo
sacer. Na sociedade de controle, quem nao produz e consome não é de
interesse do Estado e, diante disso, nenhuma lei o protege mais. Assim sendo, o
estado de exceção, presente na vida desses homens que não têm leis os
protegendo, está se tornando uma regra.
Agamben retoma o homem sacro da Antiguidade,
encontrando inclusive a biopolítica nesse período, e explica a condição desses
indivíduos que não estão de acordo com a lógica estatal. No Estado Antigo, quem
cometesse um crime poderia ser morto (não havendo punições para o assassino) e,
ao perder a vida, não teria direito a passar por nenhum ritual. Com isso, a subjetividade
humana também era ignorada no caso do homo sacer, pois, ao se tornar
“insacrificável”, rejeitava-se também seu corpo espiritual. O sentido de
“espiritual” não é religioso, espírito se consiste na capacidade de conhecer do
homem.
Antonio Negri e Michael Hardt, anteriormente
citados, contextualizam em seus dois textos, “Império” e “Multidão”, a
sociedade de hoje, composta por dois tipos de forças: a dos que querem dominar
e a dos que não querem ser dominados. No primeiro texto, “Império”, ele explica
a origem dessas forças e no segundo ele explica como a força da multidão é
importante para a constituição de um poder democrático, que resiste.
Todas as teorias políticas tradicionais
convergem em um ponto: somente o “uno” pode governar, seja ele o monarca, o
Estado, o partido, a nação ou o povo. Contudo, esse pensamento do poder
do “uno” nega o conceito da democracia. Assim sendo, a democracia e a
aristocracia são apenas fachadas, por quê teoricamente o poder só poderia ser
monárquico. A multidão não é um corpo social porque não pode ser reduzida
a uma unidade e não se submete ao poder do uno. Deste mesmo modo, a
democracia que Spinoza chama de absoluta não é considerada uma forma de governo
no sentido tradicional por não reduzir todas as formas de pluralidade à uma
única forma de governo.
A multidão se organiza como uma linguagem, na
qual todos os elementos são distintos uns dos outros, porém funcionam
perfeitamente quando estão juntos. Além disso, é uma rede flexível que se
organiza de acordo com regras aceitas em uma infinidade de maneiras. A
democracia da multidão é em uma sociedade onde tudo é exposto para que todos
possam trabalhar juntos na solução de seus problemas. Assim ocorre seu
funcionamento, com um conjunto de regras fixas, mas onde as seguir é mais
fluído, mais livre e pode se alterar, com suas próprias configurações, ao longo
do tempo.
A constituição da multidão baseia-se na
possibilidade legítima de desobediência e, dessa maneira, há uma inversão na
relação de obrigação. Para o filósofo Thomas Hobbes a obrigação de obedecer é a
base de todo o direito civil. Essa obrigação só surge para a multidão quando há
algum processo decisório, em decorrência de sua atividade política - portanto
ativa -, e a obrigação dura enquanto houver essa vontade. Esse processo pode
ser visto e entendido como uma forma de expressão da multidão. O projeto
democrático da multidão está tanto exposto à violência militar quanto à
repressão policial, dessa maneira, ao se defender dos ataques acaba se
definindo como resistência. Nessa situação, é dever da multidão configurar essa
força de resistência em uma forma de poder constituinte.
A produção da biopolítica é uma questão
ontológica por estar criando um novo ser social. O paradoxo nessa relação se dá
porque o comum é ao mesmo tempo o produto final e a condição fundamental da
produção.
A multidão é um meio de romper este controle
e levar a sociedade a ter autonomia de si mesma. Um dos meios que a multidão
tem de se rebelar é a internet, através de redes sociais e mídias alternativas
. As informações de um grupo ultrapassam a rede e o lugar físico em que
se constituiu e, dessa maneira, o pensamento se dissemina. As redes sociais
potencializam essa característica ao permitirem uma conotação política aos
participantes, já que deixando suas posições de “indivíduos mansos”, os
indivíduos passem a participar ativamente das decisões de seu país e do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário