segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Controle em forma de biopolitica e hedonismo de massa


Em “Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri, é exposta a ideia de que a nova forma de governo, que os autores chamam de situação imperial, cria um potencial de revolução nunca visto antes por qualquer forma de regime. O conjunto dos explorados constituem uma multidão com poder político, conceito que será discutido em outro texto dos autores. Hardt e Negri tentam explicar que mesmo a mente humana sendo um instrumento de produção muito eficaz, a falta de criação é vista pela sociedade como uma forma de resistência a realidade presente. Isso pode ser concebido como causa para a modernidade líquida que se vive nos dias atuais, e portanto, não há durabilidade nas coisas.
A origem do Império da início à argumentação dos autores. Os conflitos do século XX, aparentemente apaziguados, caracterizam uma multidão que luta contra o controle do Estado, ou seja, ela deixa de aceitar sua subjulgação. Por isso, chega-se a conclusão de que o Império se constitui depois da ascenção desses novos poderes revolucionários, que se mostram irreprimíveis.
A multidão passa a agir com uma finalidade nela mesma, pois dirigindo as tecnologias e a produção ela alcança o próprio poder e felicidade. A partir deste momento, surge o desenvolvimento contemporâneo da multidão, no qual, o indivíduo trabalha e produz autonamente, assim reproduzindo todo o sentido da vida para si mesmo. A multidão é o poder singular de uma nova cidade, que se forma no momento em que a população começa a se impor na sociedade, deixando de ser simples figurantes para possuir peso e importância, respondendo ao Império.
Porém, não se deve enganar, pois a força imperial tenta, através de seus mecanismos, conter os movimentos dessa massa. Para isso ele isola esses movimentos, utiliza o policiamento nas cidades, segrega os países por meio das fronteiras e no trabalho diferencia os tipos de produtores: por raça, gênero, linguagem.  Esse isolamento é feito de uma maneira que não comprometa a produção do capital pela multidão, pois ele depende do sistema. Deve-se lembrar a Marx, pois ele em sua época ele já dizia que o Estado é responsável por essa manutenção do capitalismo . Preso nessa bolha, o poder se torna dominante da vida, que é tida ao mesmo tempo como alvo e resistencia do poder imperial.  Isso resulta na biopolítica, previamente discutida pelo filósofo Michel Foucault.
O pensamento do francês Foucault se extende na explicação dos mecanismos de controle, originários em uma sociedade disciplinar. A política de biopoder exercida pelo Estado, já na sociedade de controle, domina a vontade libertária do homem, que deposita sua confiança em seus representantes e acabam perdendo sua participação política. É função do Estado, na explicação do autor, a preservação  da vida humana (biopolítica), a partir de uma nova concepção contida na frase: “fazer viver, deixar morrer”.
 A biopolítica do totalitarismo moderno de um lado e a sociedade de consumo e de hedonismo de massa do outro ligam-se na explicação do conceito de vida nua de Giorge Agamben. Baseado nas ideias de Foucault e de Hannah Arendt de que os regimes contemporâneos apoiam-se nessa concepção de vida, na qual há uma cisão entre zoé e bios, a primeira que representa o simples fato de viver, comum a todos os seres, comparado a vida animal e a segunda que significa uma forma de viver peculiar ao homem que leva à reflexão e ao conhecimento, incentivando-o a participar da vida política.
A partir desse preâmbulo a respeito de bios e zoé, é possível definir a “vida nua”. O conceito consiste na vida do homem que tem produção predominante de zoé por conta da sociedade de controle, que extrai sua bios. Portanto, a biopolítica produz a vida nua. Ela o faz, em partes, por meio do hedonismo de massa. O ser humano passa por uma transformaçãoe o controle de seu corpo e de sua subjetividade não é mais exercido pelo individuo.
 A lógica capitalista insere o hedonismo na sociedade na medida em que sugere o consumo desenfreado e alienado. A indústria cultural, por exemplo, direciona os cidadãos à abandonarem a sua capacidade de pensamento e de conhecimento ao se satisfazerem com prazeres momentâneos, obtidos com o consumo de alguns produtos. Desse modo, o caráter político do homem é esquecido, pensando-se apenas no prazer que será obtido a partir de um bem material qualquer. Logo, a maior parte dos homens atualmente passa seu tempo trabalhando ou consumindo. Quando não estão praticando nenhuma dessas duas ações, estão sujeitos à indústria cultural. A comunicação de massa leva ao homem a se afastar da realidade, com programas de TV alienantes e performativos, propagandas que induzem o desejo de consumo, mesmo que o produto seja desnecessário para a compra. A Escola de Frankfurt critica exatamente essa indústria cultural que tem por objetivo distrair e servir de lazer para o homem e não o leva a refletir sobre a realidade, abrindo espaço para a manipulação e controle da população. Assim, os homens produzem e consomem em busca do prazer, do hedonismo.
 Essa busca desenfreada os submete ao poder estatal. De acordo com Agamben, “a implicação da vida nua na esfera política constitui o núcleo originário - ainda que encoberto - do poder soberano”. Ou seja, o que vê é um controle extremamente eficaz do Estado, por meio de mecanismos que tornam o homem um ser manipulável.
 A biopolítica do totalitarismo moderno contribui também de forma significativa para essa eficácia. Com a ideia de manutenção da vida, os cidadãos tornam-se aliados ao governo que os controla, o que foi visto claramente durante o nazismo. A partir da afirmação constante de que a permanência da “raça” ariana dependia do extremínio de outros povos a biopolítica foi instaurada. No caso, ela foi proveniente de ideias do século XVIII, fundamentais na definição de que, segundo “Vida Capital: Ensaios de Biopolítica”, de Peter Pál Pelbart, “a preocupação com a vida torna-se a luta contra o inimigo”.
            A principal materialização desse conceito foram os campos de concentração. Neles, é possível identificar a exclusão que se tem de quem não satisfaz o que o Estado deseja. Essas pessoas indesejáveis tornam-se, então, matáveis e insacrificáveis. Pode-se, dessa forma, fazer uma relação entre elas e o homo sacer. Na sociedade de controle, quem nao produz e consome não é de interesse do Estado e, diante disso, nenhuma lei o protege mais. Assim sendo, o estado de exceção, presente na vida desses homens que não têm leis os protegendo, está se tornando uma regra.
Agamben retoma o homem sacro da Antiguidade, encontrando inclusive a biopolítica nesse período, e explica a condição desses indivíduos que não estão de acordo com a lógica estatal. No Estado Antigo, quem cometesse um crime poderia ser morto (não havendo punições para o assassino) e, ao perder a vida, não teria direito a passar por nenhum ritual. Com isso, a subjetividade humana também era ignorada no caso do homo sacer, pois, ao se tornar “insacrificável”, rejeitava-se também seu corpo espiritual. O sentido de “espiritual” não é religioso, espírito se consiste na capacidade de conhecer do homem.
Antonio Negri e Michael Hardt, anteriormente citados, contextualizam em seus dois textos, “Império” e “Multidão”, a sociedade de hoje, composta por dois tipos de forças: a dos que querem dominar e a dos que não querem ser dominados. No primeiro texto, “Império”, ele explica a origem dessas forças e no segundo ele explica como a força da multidão é importante para a constituição de um poder democrático, que resiste.
Todas as teorias políticas tradicionais convergem em um ponto: somente o “uno” pode governar, seja ele o monarca, o Estado, o partido, a nação ou o povo.  Contudo, esse pensamento do poder do “uno” nega o conceito da democracia. Assim sendo, a democracia e a aristocracia são apenas fachadas, por quê teoricamente o poder só poderia ser monárquico.  A multidão não é um corpo social porque não pode ser reduzida a uma unidade e não se submete ao poder do uno.  Deste mesmo modo, a democracia que Spinoza chama de absoluta não é considerada uma forma de governo no sentido tradicional por não reduzir todas as formas de pluralidade à uma única forma de governo.
A multidão se organiza como uma linguagem, na qual todos os elementos são distintos uns dos outros, porém funcionam perfeitamente quando estão juntos. Além disso, é uma rede flexível que se organiza de acordo com regras aceitas em uma infinidade de maneiras. A democracia da multidão é em uma sociedade onde tudo é exposto para que todos possam trabalhar juntos na solução de seus problemas. Assim ocorre seu funcionamento, com um conjunto de regras fixas, mas onde as seguir é mais fluído, mais livre e pode se alterar, com suas próprias configurações, ao longo do tempo.
A constituição da multidão baseia-se na possibilidade legítima de desobediência e, dessa maneira, há uma inversão na relação de obrigação. Para o filósofo Thomas Hobbes a obrigação de obedecer é a base de todo o direito civil. Essa obrigação só surge para a multidão quando há algum processo decisório, em decorrência de sua atividade política - portanto ativa -, e a obrigação dura enquanto houver essa vontade. Esse processo pode ser visto e entendido como uma forma de expressão da multidão. O projeto democrático da multidão está tanto exposto à violência militar quanto à repressão policial, dessa maneira, ao se defender dos ataques acaba se definindo como resistência. Nessa situação, é dever da multidão configurar essa força de resistência em uma forma de poder constituinte.
A produção da biopolítica é uma questão ontológica por estar criando um novo ser social. O paradoxo nessa relação se dá porque o comum é ao mesmo tempo o produto final e a condição fundamental da produção.
A multidão é um meio de romper este controle e levar a sociedade a ter autonomia de si mesma. Um dos meios que a multidão tem de se rebelar é a internet, através de redes sociais e mídias alternativas . As informações de um grupo ultrapassam a rede  e o lugar físico em que se constituiu e, dessa maneira, o pensamento se dissemina. As redes sociais potencializam essa característica ao permitirem uma conotação política aos participantes, já que deixando suas posições de “indivíduos mansos”, os indivíduos passem a participar ativamente das decisões de seu país e do mundo.

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