segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Mecanismos de dominação na sociedade do controle


O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) analisa a questão do poder e da política de modo peculiar, pois, ao buscar entender a organização social, expõe os mecanismos que garantem a manutenção do capitalismo. Como base para sua argumentação, ele avalia a sociedade a partir do ponto de vista de que as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que nascem, pois o fundamental é vigiá-los e adestrá-los em espaços determinados. Assim, o espírito revolucionário e libertário do homem é apaziguado por uma classe dominadora e controladora, que deseja manter a forma capitalista de vida. Isso só é possível devido a existência um hábito da servidão voluntária, explicada pelo filósofo Etienne de La Boétie, que consiste na vontade dos trabalhadores em servir e em sobreviver. Esse tipo de sociedade e que só teria fim com a consciência de classe, segundo a Escola de Frankfurt, pois seria uma nova maneira de pensar o mundo, com uma autoconsciência social cítica.

A sociedade disciplinar surgiu após a industrialização. Com o surgimento das novas tecnologias, ocorre a artificialização do tempo e do espaço pela técnica, que priva a sociabilidade dos seres humanos. A partir de então, ocorre a individualização da massa que era homogênea, pois as instituições passam a formar indivíduos. Dessa forma, diversas instituições passam a formar pessoas diferentes através de um micropoder, que deve ser sempre exercido em um local e em um espaço específicos e a partir de um saber e da vigilância. Essa população heterogênea tem, entretanto, algumas características em comum: é mansa, consumidora e produtora. Além disso, todos os indivíduos querem viver, o que é tomado como embasamento para a dominação estatal na sociedade de controle. 
No final do século XX, a sociedade disciplinada, que tem como característica a relação de poder das microinstituições que controlam o homem e dominam e aquietam suas vontades libertárias e sua capacidade de resistência,  se torna a sociedade de controle, que é, então, regida pela política de biopoder. Ela é exercida pelo Estado, que, ao contrário de quando era apenas mais uma instituição na sociedade disciplinar, se torna uma instituição estratégica. Dessa forma, a disciplina deixa de ser apenas o aspecto social fundamental para se transformar em um poder, ou seja, o micropoder ainda é essencial para que haja uma população aos moldes da que é construída, mas deixa de ser o elemento principal.
O biopoder se constitui na produção e manutenção da vida. Logo, cria-se um vínculo de parceria entre o Estado e a população, pois o primeiro garante o direito de viver ao segundo. Diferentemente da enunciação Hobbesiana, na qual o controle da sociedade baseava-se na morte, com a afirmação: “fazer morrer e deixar viver”, espalhando o terror e  a penalização de morte, em Focault essa visão é invertida, o Estado adota a lógica contrária: “fazer viver e deixar morrer”.  À medida em que desfruta desse vínculo, o Estado exerce um controle social, pois os cidadãos, ao confiarem no poder estatal como uma forma de manter sua vida, depositam tanta responsabilidade nos representantes políticos que perdem a sua força pública. Para que isso seja viável é necessário que os indivíduos sejam como o poder disciplinar os formou, isto é, mansos, produtores e consumidores. No Brasil, esse sistema de biopoder é exemplificado por alguns programas de “incentivo” a vida, como o SUS (Sistema Único de Saúde) que torna o acesso à saúde gratuita para todo cidadão brasileiro, incluindo exames médicos, cirurgias e distribuição de remédios com o custo reduzido, ou até mesmo de graça. A Previdência Social, que substitui a renda salarial do trabalhador contribuinte a partir do momento que ele perde a capacidade trabalhar, a fim de garantir a sua e de sua família proteção e bem estar social. E também os Planos de Saúde, o qual através de mensalidades seus contribuintes têm vantagens médicas e hospitalares.
Um exemplo histórico dessa política é o Estado Nazista. Liderado por Hitler, o povo ariano teve sua vida valorizada e mantida na medida que se deixava morrer os judeus. Teve-se, portanto, a ideia de que o Estado produzia a vida ariana e, para que isso se efetivasse, deixava o povo judaico morrer. Desse modo, percebe-se um caráter higienista, que pode ser explicado pela racionalidade cartesiana, já que ela se fundamenta na dicotomia. De acordo com essa razão difundida por Descartes, tudo tem uma causa e um efeito, algo é bom ou mau. No caso alemão, isso aparece quando surge o argumento de que o ariano não está em uma condição financeira favorável por causa do judeu. Além disso, o pensamento nazista sugere que um povo é superior ao outro, o que remete diretamente à dualidade do bom e do mau.
Um fator que perpetua essa racionalidade é, de acordo com os pensadores da Escola de Frankfurt, a indústria cultural. Em “Dialética do Esclarecimento” (1944), Theodor Adorno e Max Horkheimer, pensadores frankfurtianos, desenvolvem a perspectiva de que é essa indústria que distrai o homem no momento em que surgiria nele a consciência, essencial para o esclarecimento e para que haja uma mudança de valoração social. O que se vê, tanto na sociedade disciplinar, quanto na de controle, são indivíduos que trabalham muito e que, ao chegar em casa procuram se desligar da realidade em que vivem. Para isso, assistem à televisão, por exemplo, que veicula exatamente o que as outras técnicas da indústria cultural o fazem: incentivam a mansidão, o consumismo e a produtibilidade. Tudo isso é essencial para o capitalismo, e é, portanto, disseminado pela mídia e, na maioria das vezes, aderido pela população.
Assim sendo, a Indústria Cultural e Informativa tem uma grande influência em como a população encara os fatos decorrentes do dia a dia. O cotidiano da cidade não permite que haja tempo para a interação política da população, não há inclusive discussão suficiente para isso. Na sociedade, o Estado pode ser visto como necessário, porém na sociedade de controle a população deixa de vigiar o mesmo e é isso que gera críticas.
Perdeu-se o sentido de ser cidadão no ato político e passa-se a adotar uma postura que visa o cumprimento de regras cegamente. Essa comportamento passou a ser coerente ao de um “bom cidadão”. Fabrica-se, então, uma população justiceira, com um ideal de moralidade que ultrapassa os limites possíveis e que garante o seu próprio controle, sem que ela saiba. O indivíduo neste momento já se encontra disciplinado e cria-se uma população vigilante de si mesma. A própria organização atual do Estado Republicano Democrático faz com que a população se sinta representada e participativa, porém é somente uma maneira para que ela não se rebele. Os partidos políticos filtram seus candidatos a partir de seus interesses e, portanto, surge o elitismo, seja ele político ou econômico. Entretanto, nessa burocracia que ali surge não há participação direta do povo, e sim ilusória. Aquilo que decidem não sai da teoria, como por exemplo, as eleições que servem para passar a ideia de que os individuos participam. A intenção era ter uma população que passa a ser parceira de sua própria governabilidade, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizia durante seu governo que a sociedade precisa controlar a situação, sendo responsável então, pela organização do Estado.
Para Foucault, o Panóptico, principal forma de controle e vigilância, é uma “diabólica peça de maquinaria”, onde a disciplina se torna institucionalizada nos sistemas penitênciários, escolas, hospitais e asilos. Esta age devido à interiorização de uma sujeição implantada nas mentes que se dá pela vigilância e punição. Segundo o escritor, no Panóptico, a vigilância é onipresente, impedindo que qualquer carcerário cometa algum ato rebelioso sem que não fosse observado. Esse sentimento de constante vigilância permanece na sociedade do controle, já que está submetida à câmeras de segurança, catracas, e senhas, levando a força de coerção, de punição e “medo” a controlar e ditar as atitudes e comportamento do homem. A vigilância neste momento, mesmo que inexistente, mostra-se eficaz e torna-se um objeto de dominação e controle interminável.
No dia 24 de setembro de 2012, os alunos do Colégio Rio Branco se depararam com uma situação nunca vivida na cidade de São Paulo. Em todas as salas de aula, havia pelo menos uma câmera de vídeo, que estaria monitorando os estudantes. Em ato de protesto, eles se recusaram a entrar nas salas, o que desencadiou a suspensão de 107 alunos, que retornaram às aulas um dia depois o ocorrido. Um aluno, que preferiu não se identificar, em entrevista para o jornal Estado de S.Paulo, disse: "Queremos que eles expliquem o porquê das câmeras e também o porquê de não terem nos avisado sobre a medida". O caso recente demonstra que a teoria de Foucault está presente no cotidiano da sociedade, que tenta vigiar até mesmo um ambiente para discussões que é a sala de aula.
Essa resistência pelos alunos demonstra que existe hoje uma facilidade maior para se deparar com os mecanismos arcaicos de dominação, que se reproduzem nas novas tecnologias. Porém, a população possui o acesso tecnológico ao meio pelo qual estão sendo controladas e, dessa maneira, há a possibilidade de driblarem essa dominação estatal e capitalista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário