terça-feira, 10 de abril de 2012

Povos de revolta, mas não de revolução

A Primavera Árabe, que ocorreu no início de 2011, tornou-se um fato histórico no Oriente Médio. Jovens foram às ruas lutando por seus direitos e demoliram ditaduras de mais de 30 anos. Porém, o caos ainda continua e pode ser explicado pelas ideias de Nicolau Maquiavel a respeito da maturidade necessária do povo para que uma república se estabeleça.
A onda de revoltas em países da África do Norte e do Oriente Médio dura até hoje. Após a queda rápida dos ditadores na Tunísia e no Egito, esse evento ingressou numa fase mais difícil e muito violenta. As revoluções populares se expressaram de diferentes formas em países como Líbia, Síria, Barein e Iêmen. Ao invés de deixarem o poder ou promoverem reformas para melhorar a situação em seus países, os governantes usaram a força para dispersar a multidão nas ruas e “abafar” os protestos. A Síria é um dos protagonistas centrais das tensões no Oriente Médio. O regime sírio é considerado um dos mais repressores do mundo árabe, o que justifica a intervenção militar que o país sofre atualmente.
Enquanto alguns desses países estão imersos em conflitos, outros se encontram em graves crises políticas. Os países que já depuseram ditadores agora encaram a missão de uma transição democrática, que traz um grande risco em relação à questão religiosa. O Egito desponta como um grande exemplo por causa da influência da Irmandade Muçulmana que, embora tenha interesses diversos, ainda é dominada por uma ala disposta a exigir um Estado menos laico. Iêmen e Bahrein surgem com melhores notícias: a renúncia de Ali Abdullah Saleh, intermediada pela Arábia Saudita e uma influência americana no Bahrein. Já a Tunísia elegeu, em eleições muito disputadas, o Ennahda, partido islamita. A expectativa é de turbulência antes de qualquer melhora, o que significa uma instabilidade.
Maquiavel afirmou que a história é cíclica, variando em tempos de instabilidade e de estabilidade. Defende que para que a ordem seja estabelecida é necessária a presença de apenas uma das duas formas institucionais a seguir: o Principado e a República. A primeira se baseia na presença de um príncipe virtuoso que, ao invés de ser um ditador, é um fundador do Estado, um agente de transição. Já a segunda depende de uma sociedade que mantenha instituições estáveis e saiba lidar com as dinâmicas das relações sociais. Para que tudo isso seja efetuado, o povo deve ser virtuoso. Deve-se considerar que para o pensador, virtude é a habilidade do indivíduo de lidar com ocasiões e acontecimentos, o que ele chamaria de fortuna.
Ao comparar esses conceitos com a realidade dos países que estiveram envolvidos no acontecimento em questão, algumas analogias podem ser feitas. Primeiramente, é importante evidenciar que os governantes dessa região não eram idênticos àqueles idealizados por esse político clássico, pois eram ditadores. Mas, as semelhanças existem e a maior delas é que esses chefes de Estado podem ser considerados virtuosos, já que se mantiveram por muitos anos no poder - haja vista o caso de Muamar Kadafi, que governou a Líbia por 42 anos. A questão é que, após todos esses anos, o povo se rebelou. Lutou por liberdade e com o auxílio das redes sociais (que foram usadas como forma de denúncia) depôs os grandes ditadores. Porém, a situação nesses países não melhorou. Um exemplo disso é o caso do Egito, que está sendo comandado por governantes militares que prometem a transição, mas que não a efetuam: a corrupção continua, assim como os preços altos e os conflitos políticos.
De acordo com Maquiavel, a liberdade é um produto dos conflitos, pois eles permitem a elaboração de leis que estabelecem limites para o exercício da mesma. Nos países que participaram da Primavera Árabe, os limites eram excessivamente controladores, sem que a população tivesse sombra do que realmente significa ser um cidadão livre – o toque de recolher no Egito, por exemplo, ou ainda o impedimento de oposições políticas.  Os líderes ditatoriais deixaram de ser agentes de transição para organizar a sociedade, como dizia ser necessário o pensador italiano, passando a serem fixos sem contestação, pelo menos até o estouro das revoluções. Isso levou os povos árabes a acreditarem que se derrubassem esses governadores, a república se instauraria. Porém a crise política nesses países ainda continua, questionando assim a maturidade do povo revoltado.
Como já foi dito, de acordo as ideias do político, a sociedade só alcança a república se estiver madura para tal. Portanto, possivelmente, se ele visse a situação egípcia de desordem atualmente, defenderia que esse povo ainda não está pronto e precisa de mais um "Principado". E é exatamente isso que está acontecendo no país, mais um líder está se sobressaindo nesse governo militar. Os egípcios voltaram ao estado de insatisfação, e nada os impede de retornarem às ruas. Porém, se eles realmente ainda não estão virtuosos, não conseguirão uma vitória tão cedo - isso é o que provavelmente Maquiavel diria.